Racismo não constitui apenas um tipo penal, ou seja, não abrange apenas uma única conduta, mas sim várias, que encontram-se abarcadas pela Lei nº 7.716/1989, sendo todas elas imprescritíveis e inafiançáveis.
Tal legislação foi editada poucos meses após a promulgação da Constituição Federal, que trouxe em seu bojo, tanto como princípio fundamental quanto como direito fundamental, o combate a qualquer preconceito de origem, raça, sexo, cor, idade e demais outras formas, (art. 3º, IV, CF) e o comando para edição de uma lei contra a prática do racismo, sujeito à pena de reclusão, a mais grave pena corpórea que há no nosso ordenamento jurídico.
O que é Racismo?
Racismo é diferente de injúria racial, como já popularmente sabido, consistindo a prática do racismo em toda a conduta que visar inferiorizar, desumanizar, segregar grupos que historicamente sofreram com tais práticas, sendo previstas tais condutas na mencionada lei especial própria, ao passo que a injúria racial é prevista no Código Penal, no art. 140, §3º, e foi inserida através da Lei nº 9.459/1997 com o escopo de diferenciar o crime de racismo do ato de ofender a dignidade de alguém por conta de característica que historicamente foi associada como pejorativa a determinado grupo.
Atos caracterizados como crime:
Como exemplos de condutas previstas como crime na Lei nº 7.716/1989 temos:
- impedimento ao acesso ou a recusa em atender pessoa por motivo racial em qualquer estabelecimento público ou privado;
- negar emprego por motivo racial;
- impedir ou dificultar, de qualquer forma ou meio, casamento ou convivência familiar e social por motivo racial;
- entre outros.
Importante entender que o conceito de raça entendido pelo Superior Tribunal Federal (HC 82.424/RS) não é biológico, pois a humanidade é biologicamente una, sendo tal afirmação embasada no Projeto Genoma, mas sim se trata de um conceito sociológico, razão pela qual o crime de racismo é amplo e não associado apenas à discriminação de cor.
Estudo de caso sobre crime de racismo
Tal julgado citado, o HC 82.424/RS, publicado em 19/03/2004, versou sobre a imprescritibilidade, pois o Paciente do Habeas Corpus havia sido condenado por racismo por ter publicado livros com conteúdo antissemita e entendia que judeus não se caracterizavam como raça, mas sim como religião, e o preconceito religioso não receberia guarida da imprescritibilidade.
Naquela ocasião o STF já entendeu que, para além do entendimento de que o conceito de raça não é biológico e sim sociológico, para a construção do termo “racismo” deveriam ser observados fatores e circunstâncias históricas, políticas e sociais, assim, consignou-se que o crime de racismo é evidenciado pela simples utilização de estigmas, o que atenta contra os princípios nos quais se funda e se organiza a sociedade humana, baseada na respeitabilidade e na dignidade do ser humano e de sua pacífica convivência no meio social.
Portanto, entendeu-se que a publicação de livros antissemitas equivale às condutas da lei de combate ao racismo, especialmente por considerar, de forma absolutamente equivocada, ser um determinado segmento/grupo da sociedade geneticamente inferior, com o objetivo de dar credibilidade à concepção racial definida pelo regime nazista, o que é odioso e não merece outro tratamento no Estado Democrático de Direito que não seja o dispensado a atos criminosos.
No dia 13/06/2019, no julgamento da Ação Direta de Inconstitucionalidade por Omissão nº 26, o STF, em julgamento com entendimento similar ao de 2004, ampliou o conceito de racismo para as condutas de cunho homofóbico, que é o preconceito praticado contra a comunidade LGBTI+.
Como já constatado no julgamento do HC 82.424/RS de 2004, a definição de raça vai além dos aspectos estritamente biológicos ou fenotípicos e alcança todos os grupos que sofrem segregação social e/ou ofensa à sua dignidade como ser humano.
O cerne do racismo é a manifestação de poder por parte do estamento dominante da sociedade contra grupos vulneráveis, com o objetivo de controlar a ideologia e dominar politicamente, subjugando determinado grupo, negando alteridade, dignidade e humanidade a este, de modo a considerar determinado grupo estranho, diferente, degradado, inferiorizando-o, através do estigma, de forma perversa, resultando em uma injusta e lesiva situação de exclusão do Estado Democrático de Direito.
Logo, compreende-se a necessidade de ampliar o entendimento do que é racismo, atrelando-o a todo o comportamento que imputa pejorativamente a uma parcela vulnerável da sociedade um estigma com objetivo de segregá-la, de inferiorizá-la, de desumanizá-la. Nessa decisão, inclusive, atribui-se a homofobia as penas aplicadas ao racismo.
Em suma, a violação de quaisquer destes dispositivos implica em violação de direitos fundamentais, conforme entendimento do STF (HC 82.424/RS), ou seja, que atingem a sociedade como um todo, não restando efeitos apenas para a parte que praticou o ato e para aquela que foi alvo, caso contrário o combate a todo tipo de preconceito não seria um objetivo fundamental da República Federativa do Brasil e não estaria estampado logo no início da Constituição Federal, em seu art. 3º, IV.
Autora: Rodolfo Beuting
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